quarta-feira, 20 de outubro de 2010 | By: Vivian Mont'Alverne

Para o lugar certo


Não sei como vocês chamam, mas, na minha concepção, seria pseudofelicidade (até eu decidir mudar).

A vizinha do lado esquerdo, Dona Zizi, é uma velhinha adorável. Trata-me sempre com bastante carinho, enche-me dos doces maravilhosos que faz. - Nossa! Não há ninguém que seja tão bom de cozinha quanto ela, aposto!
É certo... Todos os dias, quando saio para fazer a feirinha matinal, vejo-a... Não há um que, com aquela voz meio enrouquecida, ela não afirme: "Lucy, como você tem sorte!"  - Referindo-se aos meus pais e como é a vida aqui. - Profere tais palavras com um brilho tão profundo nos olhos, que parece ter certeza de tudo o que se passa no interior dessas paredes.

Minha casa é graciosa... Sabe aquelas de madeira pré-fabricadas? Pois é. Minha mãe, Olinda, mandou pintá-la de verde, encheu o jardim de cravos, copos-de-leite, bromélias, amarílis e girassóis. Meu pai, Junqueira, não deu pitaco... Ou melhor, nunca dá. Ela fala, ele cala.

Quem vê, de fora, esse ambiente viçoso, esse homem "obediente", essa mulher de bom gosto... Realmente não tem como discordar da Dona Zizi.

(...) Queria mostrá-la toda a verdade. Sim, queria muito... Vejo-a como uma mãe, talvez substituindo a ausência de uma verdadeira. Sou filha adotiva, nunca contei para ninguém. Sei lá, nem me importo, também não me interesso em encontrar os meus pais biológicos. Sabe o que sinceramente me incomoda? O descaso, a falta de atenção, a falta de afeto e relação pai-filho. (...) Não tenho irmãos, somos só nós três. Sou tratada como empregada... Acordo cedo, faço o café, vou à feira, lavo louças, cozinho, limpo a casa. Não almoçamos na mesma mesa, a minha fica na cozinha.
Um dia, tomei coragem e, com a voz trêmula, pedi um livro à minha mãe. Ela arregalou os olhos, enfurecida, e mandou-me arrumar o quarto. (...) Chorei, chorei e chorei... Eu realmente tinha uma imensa paixão por leitura, sonhava ler e escrever lindas histórias.

Numa tardezinha, quando os meus "pais" estavam cochilando, revolvi tomar uma atitude... Peguei uma pequena mala, coloquei as poucas roupas que tinha, e sai... Fugi daquela vida. Daquela felicidade que não era minha.
(...) Não me arrependo. No início foi meio difícil... Mas deu para segurar com as poucas economias que eu tinha. Não demorei para encontrar um emprego. Com o primeiro salário, comprei o meu primeiro livro. - Ah! Nada, até hoje, chegou perto da felicidade que senti naquele momento... Foi mágico!
O tempo corria... Comprei o segundo, o terceiro, o quarto... Até que resolvi escrever. Escrevi um, dois, três... Estava escrevendo o meu oitavo, no intervalo do café onde trabalhava, quando um escritor renomado se aproximou de mim e perguntou-me o que tinha naquelas tantas folhas. - Sorte? Destino? Não sei. - Eu não sabia como agir. Dei-lhe os rascunhos, ele começara a ler... No final, seus olhos estavam feito dois rios em épocas de muita chuva... Afogados em lágrimas. Eu não sabia bem o que pensar... Nem tive tempo... Ele segurou a minha mão e disse: - Aqui não é o seu lugar!

4 bilhetes:

André Poerschke Vieira disse...

grande texto. Gosto desse tipo de leitura, onde tu te prende e vai seguindo a história.
Parabéns

http://umdiaentenderei.blogspot.com/

Nicelle Almeida disse...

Que belo texto, adoro vir aqui ler suas histórias, querida.
Ler e escrever é mágico...simplesmente MÁGICO!
Um beijão e te espero lá no blog, tem post novo.
www.nicellealmeida.blogspot.com

Nicelle Almeida disse...

Olá, minha amiga!
Vim te desejar um ótimo final de semana ;)
Tem post novo lá no blog, te espero!!! Na proxima semanada terá sorteio, n fica de fora ein.
Beijos!!!
www.nicellealmeida.blogspot.com

Anônimo disse...

Não há nada mais importante do que ser amado por sua família.
E não há nada mais mágico que escrever, ter liberdade, fazer seus pensamentos tocarem as pessoas!
E você faz isso com maestria.

Bjs!

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